Ao Pé da Letra: A TRAMA DITADORA

Continuando com a sessão "Ao Pé da Letra", mais uma reportagem do Canal da Imprensa. De 2003.

A Trama Ditadora por Vanessa Candia

Vender idéias, comportamentos, ideologias, padrões de beleza e coisas do gênero, sempre foi à especialidade das novelas brasileiras. Não é necessário ir muito longe. O Clone (Globo, 2001-2002) foi um exemplo do grande poder, principalmente de consumo, que elas exercem numa sociedade em que a telenovela faz parte da cultura - mesmo que essa cultura seja a "prima pobre".

Nunca se venderam tantos lenços, jóias e maquiagens como nesse período. Sem esquecer da procura ensandecida por aulas de dança do ventre. Mas então, com o fim da trama, todos produtos adquiridos são engavetados. Não servem pra mais nada. Ou melhor, até servem. Mas quem se atreveria a usar um lenço da Jade e cruzar com a Edwiges por aí!? Afinal ela é a ditadora do momento.

O dramaturgo Silvio de Abreu disse em uma entrevista que todo mundo lucra com o merchandising nas novelas, inclusive o autor. Mas enfatiza que permite desde que pareça natural. Por exemplo, um casal tomando refrigerante, uma dona-de-casa lavando roupa, etc.

No entanto, existe uma certa discrepância em algumas novelas. A atual novela das oito, Mulheres Apaixonadas, batendo recorde de merchandisings. Enquanto uma das "madames" coloca roupa para lavar na máquina, comenta com a outra madame a insuperável qualidade do sabão em pó Omo. O irônico é que numa casa com várias empregadas a patroa lave roupa. Onde fica a naturalidade da cena?

De acordo com a lei, a publicidade deve ser clara, de fácil e imediata identificação. Que um comercial é evidente numa novela, isso é indiscutível! Errado. Algumas são explícitas - prestando o ator a um papel ridículo -, mas em outras não. Não se vê um ator olhando para a câmera e falando "compre tal produto". Os anunciantes usam do carisma do ator ou personagem e da influência exercida sobre o telespectador. Este, por sua vez, compra idealizando que, quem sabe, talvez possa se parecer ao menos em algum aspecto com a personagem.

Olha o golpe!

A nova novela das seis, Chocolate com Pimenta, já estava agitando antes da estréia as docerias mais famosas do eixo Rio-São Paulo. A Kopenhagen, uma das chocolaterias mais famosas, já garantiu sua pontinha. Pesquisas mostraram que essa novela vai mexer com o mercado de chocolate. Pois, cena ou outra, aparece alguém comendo chocolate. Espera-se um aumento de produção e preço na indústria de chocolates.

Agora, eis o golpe! Minoria dos telespectadores tem condições de adquirir um chocolate de marca refinada ou de comer uma guloseima semelhante à da novela em sofisticadas docerias. O consumidor é movido a comprar determinado produto, sem nem saber o porquê. Ele sabe que "precisa" adquirir. E muitas vezes se priva de produtos realmente necessários para, pelo menos uma vez, saber qual a sensação que teve em comer ou usar determinado produto que o mocinho ou a vilã da novela sentiu.

Nessa brincadeira ditatorial, o consumidor é enganado grosseiramente. A realidade sócio-econômica do povo brasileiro não se assemelha - ao contrário do que os dramaturgos alegam - com a vida transmitida nas novelas. Nestas, nem os pobres são tão pobres.

Os problemas acarretados por esse merchandising, direta e indireta, são mais sérios do que se pensa. As mulheres, alvo preferido, anseiam em comprar a roupa da moda; o CD do momento; a maquiagem que uma atriz usa, que tem tal artista na embalagem e que outra fulana fez o comercial; a sandália de não sei quem, enfim. Entra em cena o famoso crediário. Finalmente, a telespectadora consegue estar atualizada com o mundo, mesmo que para isso passe meses pagando as parcelas.

Isso acaba gerando inadimplência, pessoas depressivas por não possuírem o padrão de vida das personagens, adolescentes frustradas por estarem fora do modelo de beleza, relacionamentos desastrosos.

Contudo, indiferente com a realidade, novelas entram e novelas saem. E os personagens passam deixando, literalmente, sua marca.

0 comentários: