Ao Pé da Letra: OS GIGANTES

Voltando com o "Ao Pé da Letra", uma matéria feita pelo polêmico crítico Artur da Távola para o Jornal O Globo, em 09 de setembro de 1979. A matéria fala a respeito do estilo presente em novelas de determinados autores, mais precisamente, Lauro César Muniz.

OS GIGANTES: HAVERÁ UM ESTILO NOS AUTORES DE TELENOVELA?

Telenovela é gênero, muito novo. Pouco tempo de sedimentação. Mas aos poucos vão se formando autores específicos, sobreviventes de um massacre das elites culturais, que, por preconceito, rejeitam este caminho dramatúrgico, da mesmPalomaa forma que rejeitam outros caminhos literários "apenas" porque falam para grande público. Misturado com o masoquismo, parece a certas elites culturais que bom é o que fala para poucos, eco, sem dúvida, de um tempo em que a cultura sendo domínio de minorias, estas a tornavam (tornam) hermética, arrevezada, difícil, para permanecerem únicas detentoras do privilégio de um "saber" que elas determinaram "superior". Masoquismo, sim, porque para ser bom, para essas elites, precisa fracassar. Por isso sempre digo: a dimensão do julgamento dá a dimensão de quem julga... Tais autores de telenovelas, porém, para o observador constante, interessado e atento, trazem traços próprios, estilos de criação, de tramas e de diálogos detectáveis ao longo daquilo que já pode ser considerado "a sua obra". Obra inglória e sofrida porque sem reconhecimento cultural e porque voa como o vento, mas, por outro lado, obras de profundo alcance social, de alto sentido cultural e ainda por cima a mais bem remunerada atividade intelectual do país, o que não deixa de ser um titulo a favor, uma vitória a mais da criação artística. Vendo os primeiros capítulos de "Os Gigantes", nos quais apenas considerei fracos os letreiros pretensiosos, incômodos, artificiais e cheios de lugar comum e nos quais muitos atores ainda tateiam, já dá para sentir como o estilo de um autor e os temas do seu universo, funcionam como uma obsessão em todas as suas obras. A história tem dois ganchos de alta popularidade: 1) uma figura central de mulher, catalizadora, sedutora, bela, escorregadia, em suma carismática, a Paloma. 2) Um caso de eutanásia ao mesmo tempo indefinível como tal, pois tendo Paloma voltado e ligado o aparelho que desligara, manca será possível precisar se o rapaz "abotoou" por causa dela ou porque já estava, mesmo, no fim. Com esses dois ganchos (populares e sempre geradores de audiência por mais usados que estejam) o autor garante uma parte do interesse, ao qual se somará o da trama interna dos personagens e o da ação externa, equilíbrio entre o dado social e o psicológico que tem sido exemplar na obras de Lauro, César Muniz. Aqui aparece o que posso chamar de estilo, ou universo temático de Lauro César Muniz, comum a todas as suas obras televisivas, embora e renovado a cada uma. Vejamos: 1) Um casal vivendo o transe da separação. Assim foi em "Escalada", quando a personagem Cândida (Suzana Vieira) separa-se de Antônio Dias (Tarcísio Meira). Assim, foi em "O Casarão" quando a personagem Lina (Renata Sorrah) vive o transe da separação do marido "Estevam" interpretado por Armando Bogus. Agora nos "Gigantes", a obra começa explodindo a separação do personagem Tarcísio com a personagem de Joana Fomm. 2) Presença de mulheres fortes em fase de transição. Todo artista que solta a sua "anima" e que trabalha bem o seu princípio feminino, alcança alturas em artes que expressem emoções e sentimentos. Lauro César Muniz é um grande criador de tipos femininos, frase que também poderia ser assim: Lauro César Muniz é um criador de grandes tipos femininos. Raros conhecem tão bem as almas e os problemas concretos da mulher, tanto os que estão na linha do princípio feminino como os que se centram na mulher histórica, concreta, vitima das transições sociais sem poder melhor se dimensionar como ser, pois dependentes do machismo e do homem. Ocuparia muito espaço enumerar todas. Mas só em pensar na "Cândida" de "Escalada", na "Carolina" de "O Casarão", na "Violeta" dessa mesma telenovela, na "Cynthia Levy" (Sônia Braga) de "Espelho Mágico", e agora no time feminino de "Gigantes", a começar pela carismática Paloma, e a continuar pela sofrida "boa esposa" de Joanna Fomm, já dá para notar a força do autor na construção de personagens femininas. Outra que "pinta" é a mãe de Paloma (Míriam Pires). 3) Presença do Tempo como elemento de unidade dramática. É outra obsessão de Lauro César Muniz. Em "Escalada" a ação se fez em três tempos diferentes. Em "O Casarão" os três tempos diferentes dos mesmos personagens corriam paralelos. Foi belíssimo! Das melhores telenovelas brasileiras. Em Espelho Mágico havia uma novela dentro da outra (recordam-se?), logo, havia dois tempos um da realidade outro da ficção. Em "Paloma" lá estão as cenas com crianças, a eterna recordação, a memória do tempo, o tempo, o tempo, o tempo, esse mistério a que eu chamo "A mais dolorosa das ficções", obsessão Proustiana de Lauro César Muniz. 4) Os problemas econômico-sociais dentro dos quais se dão embates e vão se formando as reações emocionais das pessoas. Em "Escalada" cercado por uma censura tola por todos os lados, pois nem se podia dizer que Brasília fora construída por JK, era a história do Brasil a mola da trama, o acicate da ambição, a justificadora das reações de Antônio Dias. Em "O Casarão", todo o ciclo do café do apogeu à decadência, determinando a composição socioeconômica dentro da qual, com perfeita dosagem, ele colocava os conflitos humanos. Agora, em "Os Gigantes" lá está o conflito contemporâneo: o da multinacional papando o esforço local de uma indústria brasileira. Lá está o problema agrícola diante da industrialização. Lá está a política. Se deixarem, o que é de se esperar em fase de abertura.

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