Ao Pé da Letra: GENTE QUE NÃO QUER VER A REALIDADE

E na "Ao Pé da Letra", mais uma das matérias do Canal da Imprensa, que eu estou sempre postando aqui. Lembrando ainda que não tenho responsabilidade pelos textos. Apenas posto!

Gente que não quer ver a realidade

por Delton Unglaub

Se a mídia não existisse e tivesse que ser inventada, seu criador com certeza estabeleceria como principal objetivo o ato de informar o público sobre o que ocorre a sua volta com o máximo de isenção possível. No entanto, este se frustraria ao ver sua mais poderosa invenção ter sua função informativa substituída, cada vez mais, por uma pouco informativa: entretenimento.

Analisando por este ângulo, pode-se concluir que a notícia e a ficção vêm sendo assimiladas como mercadorias - a informação é transformada por meio de artifícios da ficção. O objetivo, neste caso, é vender um produto pré-determinado ao público. Traduzindo: a informação não "informa" exatamente e a ficção da novela ou minissérie não "entretém" somente.

A facilidade com que se mistura realidade e ficção parece seguir sempre a mesma linha: a do entretenimento e da mercadoria. E em nossa moderna sociedade de consumo existem poucas coisas mais lucrativas do que fundir o imaginário ao real.

Esta invasão das fronteiras acaba não afetando apenas os veículos que desejam transmitir informações ao público. Recentemente, os programas destinados a "divertir" se tornaram muito semelhantes à vida real. A alta audiência dos reality shows, como o Big Brother Brasil, é resultado desse processo iniciado pelas telenovelas e minisséries.

Ao analisar o jornalismo filosoficamente, pode-se afirmar que seu conteúdo é de ficção, porque todo discurso é uma "reconstrução" do real. Logo, a própria realidade não existiria. Tudo seria uma simulação do real. E as Organizações Globo têm utilizado em seus veículos esta simulação, especialmente entre telejornais e telenovelas. Quando declaradamente se envolvem em causas "sociais", como busca por crianças desaparecidas ou campanhas a favor de doação de órgãos e antidrogas, a empresa procura consolidar a imagem de responsável pelo bem-estar social.

Realidade fictícia

As novelas não só incorporam estes elementos da "vida real" como também produzem efeitos reais, tratados como realidade pelo noticiário. Exemplo disso são os famosos depoimentos de dependentes químicos e seus parentes em O Clone (Globo, 2000-2001).

Um dos casos que melhor representa a fusão do real com o imaginário foi o assassinato de Daniela Perez. A morte da atriz foi incorporada pela novela De Corpo e Alma, em que atuava, enquanto, o Jornal Nacional usava as cenas da trama para romancear as informações sobre o crime misturando realidade e ficção. A miscelânea foi tão eficaz que resultou na utilização do assassinato de Daniela, filha da autora da novela, para a aprovação de uma ampliação da Lei de Crimes Hediondos.

Recentemente, a atual novela Mulheres Apaixonadas causou uma polêmica em torno de uma personagem vítima de bala perdida. A cena gerou protestos do prefeito e do secretário de Turismo do Rio de Janeiro contra uma suposta fama de cidade violenta, que cá entre nós nunca foi novidade. Contudo, a polêmica garantiu outro efeito muito real: a manutenção do interesse do público ampliando os índices de audiência.

Tudo isso são histórias dramatizadas, mescladas com jornalismo, em que o telespectador vai juntando os quadros confundindo personagens com atores. O público menos educado teve o mesmo acesso às informações. A confusão entre o real e o ficcional é completa.

Ironicamente, este mesmo público é acusado pela queda de qualidade da televisão, quando, na realidade, a perda de qualquer coisa é responsabilidade de quem produz. AgFotos: Reutersora, se o espectador não tem como modificar, o jeito é se contentar com o ruim.

A grande massa está acostumada a confundir na rua atores com os personagens que representam. Tanto que agridem os "vilões". As revistas de TV associam os atores aos nomes das personagens. Realidade e ficção se misturaram na cabeça da massa de tal forma que, somente o político desonesto, o traficante de drogas e as catástrofes são reais. O resto é fusão, ou melhor, confusão.

Em outras palavras, quanto menos contato direto com o mundo, maior será a influência pelas imagens e representações, que chegam pelos mais variados meios de comunicação. E, desta forma, realidade e ficção se condensam nas cabeças despreparadas sem que possam saber ao certo a diferença entre uma e outra.

Então, como os telespectadores poderão, com pelo menos o mínimo de informação, formar opiniões coerentes sobre a realidade?

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